Se a expansão do tempo na escola não vier com outras políticas que garantam a permanência dos jovens em maior risco de evasão, efeito pode ser o oposto do pretendido

Adolescente vende balas no trânsito do Rio — Foto: Berg Silva

Quatro em cada dez estudantes de 5 a 17 anos conciliavam os estudos com o trabalho. O dado consta de uma pesquisa da iniciativa Equidade.Info (vinculada ao Centro Lemann, em Stanford) e foi divulgado há duas semanas, em reportagem de Douglas Gravas na Folha de S. Paulo.

É um patamar significativamente maior do que o registrado pelo IBGE, que calculou, para 2022, um percentual de 5% de trabalhadores infantis (dentro ou fora da escola) nessa faixa. O problema já foi mais grave (pelos critérios do IBGE, em 1992, eram 24%), mas ainda persiste.

A discrepância nas duas pesquisas pode ser explicada pelas diferentes metodologias: enquanto o IBGE pergunta ao responsável pelo domicílio sobre a situação de trabalho das crianças e jovens, o Equidade.info se baseia numa pesquisa amostral respondida pelos próprios estudantes (não abrangendo, portanto, quem está fora da escola). Mesmo não sendo perfeitamente comparáveis, a hipótese dos pesquisadores é que o trabalho infantil pode estar subnotificado.

Independentemente de qual metodologia melhor reflete essa realidade, é fundamental considerar essa população no desenho de políticas educacionais. Parece óbvio, mas há iniciativas positivas — como a expansão de escolas em tempo integral — que podem agravar o problema. Há redes — e candidatos nas atuais eleições — prometendo inclusive sua universalização.

O programa do governo federal não chega a tanto, mas prevê ampliação da jornada, priorizando escolas que atendem os mais vulneráveis. Garantir a equidade é fundamental, mas, se a expansão do tempo na escola não vier acompanhada de outras políticas que garantam a permanência dos jovens em maior risco de evasão pela necessidade de trabalhar, o efeito pode ser o oposto do pretendido.

Em tese, o programa Pé-de-Meia ataca justamente esse problema, oferecendo um incentivo mensal de R$ 200, acrescido de R$ 1 mil a cada ano concluído. Mas ele não é panaceia, e sua implementação precisa ser monitorada em detalhe, pois para alguns públicos o benefício pode não ser suficiente, enquanto, para outros, talvez seja até desnecessário para o objetivo de evitar a evasão escolar.

É preciso considerar, por exemplo, que em muitas regiões a evasão está diretamente ligada ao trabalho em ciclos econômicos específicos, como o do açaí na região Norte ou da cana no Nordeste. Além da fiscalização do trabalho infantil, o incentivo financeiro para permanência na escola nesses e em tantos outros casos precisará ser superior ao oferecido pelo Pé-de-Meia para surtir o efeito desejado.

Ainda sobre o Pé-de-Meia, o programa optou por trabalhar com um público amplo: estudantes matriculados no ensino médio público beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Com a inclusão recente do público da Educação de Jovens e Adultos, são quase 4 milhões de beneficiados. O que precisará ser monitorado de perto é se ele servirá mais como um programa de transferência de renda (um objetivo nobre por si só, desde que bem focalizado) ou se será (e em qual medida) também efetivo na redução da evasão.


Fonte: O GLOBO