Com intervalos de três a quatro dias entre os jogos, trabalho de recuperação ganha tanto protagonismo quanto o técnico e tático


Luiz Henrique durante trabalho particular com o performance coach Kadu Fadel — Foto: Divulgação/One9 Content

O apito final de uma partida é como um sinal para o torcedor. É hora de relaxar. Alguns vão para casa, outros debatem o jogo com os amigos, e há aqueles que estendem a comemoração (ou afogam as mágoas) na mesa do bar. Para os atletas, não é bem assim. Ainda no vestiário, fazem a imersão na banheira de gelo. Ali, começa a preparação para o duelo seguinte.

Em períodos como o atual, em que o calendário obriga os clubes brasileiros a uma maratona de muitos compromissos num curto espaço de tempo, o processo de recuperação pós-jogo ganha os holofotes. Um trabalho que costuma receber menos destaque, mas que também vence partidas e pode definir classificações e até títulos.

Se, nos bastidores, os clubes nada fazem para corrigir as aberrações do calendário, ao menos investem nas áreas responsáveis pela recuperação e pela prevenção de lesões. Uma série de recursos está à disposição dos atletas para tentar minimizar os impactos de tantos jogos em sequência com intervalos de apenas três ou quatro dias.

Além da imersão no gelo, as 24 horas após a partida dos que jogaram por mais minutos contam com o uso de botas de compressão (que melhoram a circulação) e massagens. Treinos em bicicletas ou esteiras também fazem parte.

— Isso também é feito durante viagens — frisa Adriano Lima, fisiologista do Fortaleza, time brasileiro de melhor aproveitamento em meio à maratona das última semanas. — No próprio avião, eles já usam as botas.

Apenas seguir este protocolo não basta. É preciso monitorar os níveis de desgaste. Eles dirão quais atletas precisam estender o trabalho de recuperação para o segundo dia pós-jogo, o que pode incluir mais massagens e exercícios na academia.

Para isso, há pelo menos dois indicadores. Um deles é a medição da creatina quinase (CK) através da coleta de uma gota de sangue. Quanto maior a concentração da enzima, maior o desgaste muscular. O outro é a termografia, uma espécie de foto da temperatura do corpo. Visualmente, é como o mapa de calor dos jogos, mas, no lugar do campo, as cores variam em cada parte do próprio jogador.

— Na medida em que o sistema acusa que a temperatura mudou comparada ao padrão histórico daquele atleta, acende-se o sinal de alerta — explica Felipe Rabelo, gerente de performance do Red Bull Bragantino, que conta com um banco de dados com mais de 9 mil “fotografias” do elenco profissional.

Atletas do Red Bull Bragantino durante trabalho regenerativo no clube paulista — Foto: Ari Ferreira/Red Bull Bragantino

Estes são os recursos mais comumente encontrados nos clubes. Mas, como em uma corrida para sair na frente dos demais, outras tecnologias são procuradas. Uma delas é a câmera hiperbárica, que acelera a recuperação pós-jogo através da inalação de oxigênio puro em uma pressão maior que a atmosférica. Outra é o Vacumed, aparelho também no formato de câmara que ajuda na reconstrução das fibras musculares pela pressurização a vácuo.

O Palmeiras, que contra o Botafogo, pela Libertadores, fará seu nono jogo em menos de um mês (mesmo número de partidas do alvinegro), inovou no ano passado. O clube incorporou uma neurocientista em seu departamento de saúde e adotou um trabalho com estímulos elétricos nas regiões do cérebro responsáveis pela recuperação da fadiga e até pela regulação do sono.

Todo esse trabalho, contudo, depende do comprometimento fora do clube. Além dos procedimentos realizados no CT, os jogadores recebem orientações sobre alimentação, como tomar os suplementos indicados e respeitar os horários das refeições, e sobre sono (aos atletas de alto rendimento é recomendado dormir de nove a dez horas).

— Os atletas são orientados a seguir os protocolos de higiene do sono recomendados pela literatura, como deixar o quarto em temperatura agradável, evitar o uso de celular antes de dormir e manter o ambiente o mais escuro possível para que tenham boa qualidade de sono — complementa o fisiologista do Fortaleza Adriano Lima.

É verdade que alguns atletas não cumprem com sua parte, mas também há aqueles que valorizam tanto a importância deste trabalho que não se limitam a fazê-lo no clube. Um sinal disso é o crescimento da presença de profissionais que cuidam da parte física dos jogadores de forma particular.

Desde que retornou ao Brasil, no início do ano, o atacante do Botafogo Luiz Henrique faz de duas a três sessões semanais com o performance coach Kadu Fadel. São diferentes tipos de exercícios que visam não só fortalecer diferentes regiões do corpo, mas também aumentar o equilíbrio e aperfeiçoar a mobilidade — sempre dosando a carga de acordo com o estado em que se apresenta. Pegar um pouco mais pesado, apenas nos dias de folga no alvinegro.

Para além da manutenção da forma física, a ideia central do trabalho é que os movimentos certos levam a um desgaste menor e permitem a melhora da performance. Uma vez automatizados pelo jogador, o deixam física e tecnicamente à frente dos concorrentes.

— Quando o jogador consegue absorver esses movimentos, a gente trabalha para que ele tenha dois a três segundos de vantagem em cima de qualquer jogada. Para um extraclasse, é como se fossem duas horas — explica Kadu Fadel, que também trabalha com John Kennedy, do Fluminense. — Quando chega por volta dos 38 minutos do segundo tempo, está todo mundo em uma curva para baixo. Mas ele, que economizou energia o jogo inteiro porque fez os movimentos certos, ainda não.

Atualmente, Luiz Henrique é um dos maiores destaques do futebol brasileiro. Para acelerar a recuperação, ele costuma recorrer ao Vacumed após cada jogo. Outro que também faz uso da cápsula é o zagueiro Bastos, seu companheiro de clube.

Luiz Henrique, do Botafogo, usa tecnologia Vacumed para acelerar a recuperação pós-jogo — Foto: Reprodução

Contudo, por maior que seja o investimento dos clubes e a dedicação dos jogadores, há um consenso entre os profissionais da área: no ritmo atual do calendário brasileiro, os atletas nunca entram em campo com 100% da forma física tendo tão pouco tempo para se recuperar. Neste cenário, ainda que pareça pouco, ter quatro ao invés de três dias de intervalo faz toda a diferença na preparação.

— Os sistemas do corpo dos atletas se recuperam em ritmos e momentos diferentes. Está estabelecido que precisam de 72 horas até 96 horas para recuperar todo o desgaste de um jogo de 90 minutos. Então faz toda diferença esse um dia a mais, porque os sistemas vão passar a se recuperar mais próximo do suficiente — conclui Felipe Rabelo, o gerente de performance do RB Bragantino.


Fonte: O GLOBO