Fatos inusitados incluem ainda entorno assombrado e animais e plantas ameaçados de extinção; espaço também já recebeu a Guernica, de Picasso


Parque Ibirapuera, em São Paulo — Foto: Maria Isabel Oliveira/ O Globo

O Parque Ibirapuera completa nesta quarta-feira seu 70º aniversário. Com uma história que conversa com o auge da produção modernista de Oscar Niemeyer na cidade de São Paulo e concebido na toada das comemorações do aniversário de 400 anos da capital paulista, o parque se tornou o espaço verde preferido dos paulistanos, tendo acumulado 17 milhões de visitantes no ano passado.

O terreno de 1,5 milhão de metros quadrados onde é localizado o parque era, antes da criação do equipamento público, uma área sem uso. Mapeamentos do século passado apontavam que a região era formada por brejos e utilizada para treinamentos militares. Ali, se cogitou instalar também um jóquei clube. A ideia de usar a área para um parque surgiu pela primeira vez em 1926.

— Se o parque tivesse sido construído nos anos 1920 ele teria uma feição muito mais parecida com o Parque da Independência (onde fica o Museu do Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo) do que com a atual, de arquitetura modernista — explica o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Rodrigo Queiroz.

Na preparação para as comemorações dos 400 anos do aniversário da cidade, uma comissão que era liderada pelo industrial Ciccillo Matarazzo, sobrinho de Francisco Matarazzo, italiano fundador do homônimo complexo industrial, escolheu Oscar Niemeyer para liderar o projeto.

Planetário do parque, o primeiro do Brasil — Foto: Maria Isabel Oliveira/ O Globo

— Quando idealizava o Ibirapuera, o Niemeyer também estava fazendo o Copan, o edifício Eiffel, o Montreal, a galeria Califórnia. O parque é contemporâneo a diversos edifícios que ele fez na cidade — conta Queiroz.

Atualmente, 476 espécies animais foram catalogadas no parque, de borboletas e mariposas a mamíferos e aves, incluindo espécies que usam o equipamento como parte de rota migratória, como um pássaro que se reproduz no Ibirapuera para depois voltar para a Amazônia

Aos domingos, o Ibirapuera chega a receber 180 mil visitantes. A Urbia, responsável pela administração desde 2020 e pelas próximas três décadas, investiu mais de R$ 170 milhões no equipamento desde que assumiu o contrato, em 2020, com a missão de melhorar a infraestrutura do parque.

A empresa deve modernizar equipamentos como o Planetário Aristóteles Orsini (onde são guardados meteoritos raros) e promete implementar ferramentas de inteligência artificial nas 255 câmeras que monitoram o equipamento. A tecnologia deve ser capaz de identificar situações de risco mas também ajudar a contabilizar com mais precisão quantas pessoas e pets entram diariamente pelos portões.

Para este ano, o faturamento da empresa — que ampliou a oferta de opções para a alimentação no parque, aluga espaços para festivais de música e abriu espaço para marcas realizarem intervenções na reforma de equipamentos como quadras esportivas — deve ser na casa de R$140 milhões, com cerca de R$ 70 milhões de despesa.

— Mas estamos falando apenas de despesas operacionais. Temos que também pagar financiamentos, o capital próprio de investimentos que estamos fazendo — explica Roberto Capobianco, presidente da Urbia.

Dentro do parque funciona uma escola de música mantida pela Urbia, que tem hoje 158 alunos. Colados ao Ibirapuera estão também o Viveiro Manequinho Lopes, que fornece mais de 300 mil mudas ao ano para a administração pública, o Herbário Municipal, que guarda uma biblioteca de 25 mil espécimes de plantas para a consulta de pesquisadores e o Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, que guarda os túmulos de 727 combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932 e tem relatos de assombrações.

Foram 17 milhões de visitantes em 2023 — Foto: Maria Isabel Oliveira/ O Globo

Reunimos trinta curiosidades que envolvem tanto o contexto histórico do parque quanto a operação atual do equipamento. Há desde relatos de assombrações em espaços que ficam ao redor do Ibirapuera, dados sobre os curiosos animais que ali vivem e o faturamento dos famosos carrinhos dos vendedores de água de coco gelada, que pode chegar a R$ 80 mil mensais.

Confira 30 curiosidades sobre o Parque Ibirapuera
  • Antes da inauguração do parque, em 1954, o parque era uma área sem uso, como narra a pesquisadora da USP Ana Castilho Barone em um artigo acadêmico sobre o parque.
  • Mapeamentos da cidade apontam que o local era uma área de brejos. Em 1891, o local foi cedido para a cidade de São Paulo, e em 1926, surge a ideia de montar um parque no local.
  • O projeto, no entanto, foi alvo de debates. Em 1929 o Jóquei Clube de São Paulo, que funcionava na época na Mooca, chegou a ser autorizado a transferir a sua sede para a área do atual parque, mas a mudança não prosperou.
  • Idealizado no IV Centenário, apesar da entrega em 1954, o Ibirapuera teve uma pré-inauguração, em 1953.A 2ª Bienal do Museu de Arte Moderna foi realizada em dezembro daquele ano, em dois prédios do parque. A Guernica, famosa obra de Picasso, foi trazida para o evento, que ficou conhecido como a Bienal da Guernica.
  • Niemeyer ergueu ali edifícios como o Pavilhão das Culturas Brasileiras, o Palácio das Exposições, conhecido como Oca, e o Auditório que leva o nome do arquiteto, além da Marquise, que conecta os equipamentos e passou por mal bocados nos últimos anos, mas está sob restauro no momento.
  • O Auditório, no entanto, só foi inaugurado em 2004. Niemeyer queria que a marquise passasse por intervenções para ligar melhor o equipamento ao restante do parque. A demanda não passou pelos órgãos de preservação ao patrimônio, que não aprovaram a tempo uma intervenção do autor na sua própria obra. Ele chamou a decisão de uma “burrice fantástica” em entrevista para a Folha de S.Paulo na época.
  • O paisagismo do parque não é de autoria de Burle Marx. O famoso paisagista é responsável pela área do Viveiro Manequinho Lopes, equipamento da prefeitura vizinho ao parque, e chegou a propor duas vezes propostas para o verde do Ibirapuera, mas os projetos nunca foram adiante. O plano adotado foi o de autoria do paisagista Otávio Augusto Teixeira Mendes.
  • Os belos desenhos coloridos de Burle Marx para o paisagismo do parque, inclusive, fazem parte do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York.
  • 80% do resíduo gerado atualmente no Ibirapuera é composto por cascas de coco, o item mais consumido pelos frequentadores: 1.855 toneladas de coco foram coletadas ali em 2023.
  • Um carrinho de coco chega a faturar R$80 mil por mês no parque. São 120 vendedores, sendo que alguns deles atuam há décadas no espaço e funcionam como pequenas empresas, podendo ter quatro funcionários, que se dividem em turnos.
  • Um total de 1.280 bicicletas estão disponíveis para aluguel no parque. Mensalmente são 40 mil empréstimos, em média, sendo que em um único domingo os locadores chegam a fazer 6 mil locações.
  • O Ibirapuera é o parque mais visitado da cidade, tendo acumulado 17 milhões de visitantes no ano passado. Em um domingo chega a receber 180 mil pessoas.
  • O planetário do Ibirapuera Aristóteles Orsini foi inaugurado em 1957 e foi o primeiro do Brasil. O espaço passa por modernizações e a Urbia, responsável pela gestão do local, quer implementar ali um sistema de projeção do tipo full-dome, avaliado em 8 milhões de reais.
  • O planetário tem no acervo oito pedaços de meteoritos, entre eles o Santa Luzia, que foi encontrado em 1921 em Goiás e pesa 22 quilos. Estima-se que tenha caído na terra entre 40 e 80 mil anos atrás.
  • O velório de Rita Lee foi realizado no planetário, em 2023. A cantora cresceu na Vila Mariana, bairro vizinho ao Ibirapuera, e frequentava o parque com a família.
  • Antes da inauguração do parque, em 1947, em um terreno vizinho, o Obelisco dos Heróis de 1932 começou a ser construído. O local guarda os túmulos de 727 combatentes da Revolução de 1932.
  • A Revolução de 1932 foi um conflito armado envolvendo os paulistas, que tentaram derrubar Getúlio Vargas. O obelisco e o mausoléu foram construídos entre 1947 e 1970.
  • Há relatos de avistamentos de assombrações no local. Frequentadores já teriam visto luzes acender e apagar também entidades. “Aparecem relatos de aparições de soldados feridos. É um local de sofrimento, são pessoas que morreram em uma guerra”, relata o historiador especializado na Revolução de 32, Rodrigo Gutenberg.
  • O parque já teve shows para mais de 150 mil pessoas. O cantor norte-americano Ray Charles, por exemplo, reuniu tamanha multidão no endereço em 1995.
  • Atualmente o limite de capacidade para o parque é bem mais modesto, de 15 mil pessoas nos eventos que ocorrem no entorno do Auditório.
  • Além dos prédios de Niemeyer, Lina Bo Bardi, autora do projeto do Museu de Arte de São Paulo (Masp), também deixou seus traços pelo pedaço com o desenho do Museu de Arte Moderna, o MAM.
  • O Pavilhão Japonês, também no parque, foi construído com participação do governo do Japão em 1954 e foi transportado desmontado em um navio do país asiático. O espaço conta com itens relacionados à cultura japonesa e também um lago com 320 carpas.
  • Outra instituição cultural conectada ao Ibirapuera é o Museu de Arte Contemporânea, o MAC-USP, com projeto de Niemeyer, que tem no acervo obras de artistas como Marina Abramovic, Claudia Andujar, Victor Brecheret, Romero Britto e muitos outros.
  • A fauna do parque contabiliza atualmente 476 espécies, entre mamíferos como gambás, saguis e morcegos.
  • Os biólogos da prefeitura já contaram dezessete espécies que são ameaçadas de extinção por ali, como o sapo-cururu e a abelha jataí.
  • O espaço é rota de aves migratórias como o bem-te-vi-rajado. “Ele se reproduz no Ibirapuera e volta para a Amazônia”, explica Anelisa Ferreira Magalhães, bióloga da prefeitura.
  • O Ibirapuera é um dos locais preferidos da cidade para os observadores de pássaros. O Vem Passarinhar, promovido pela prefeitura, reúne ali pelo menos uma vez ao ano grupos com câmeras fotográficas interessados em registrar as espécies mais inusitadas: 230 tipos de aves já foram catalogadas no endereço. Uma das aves preferidas da turma é a coruja chamada de mocho-diabo, que chega a quase 50 centímetros de altura.
  • A flora do parque tem 610 espécies, sendo 230 nativas do município. Ali ficam raízes doze espécies ameaçadas de extinção, como o carvalho–brasileiro e o cedro. As árvores mais comuns são os eucaliptos e as figueiras.
  • O Herbário Municipal da prefeitura, que também fica no pedaço, guarda uma coleção de 25 mil espécimes de plantas e conduz pesquisas sobre a flora da cidade, tendo registrado espécimes inéditas na ciência botânica que foram encontradas no município. Paulistanos curiosos podem levar gratuitamente um exemplar que desejam identificar para os estudiosos.
  • O Viveiro Manequinho Lopes, outro equipamento operado pela prefeitura na área, chega a produzir anualmente 450 mil mudas de espécies que são utilizadas em canteiros e equipamentos públicos da cidade, em especial espécies rasteiras, como a grama amendoim e o clorofito de sol. O espaço começou a operar como viveiro antes da existência do Ibirapuera, na década de 1920.

Fonte: O GLOBO