Em entrevista ao GLOBO, chefe da Divisão de Repressão a Crimes Eleitorais, Fabricio Martins Rocha, fala sobre investigações da corporação


Delegado Fabrício Martins Rocha em audiência na Câmara dos Deputados — Foto: Agência Câmara

Chefe da Divisão de Repressão a Crimes Eleitorais da Polícia Federal, o delegado Fabricio Martins Rocha afirma que uma das principais missões deste ano é “identificar e coibir” o patrocínio de candidatos pelo crime organizado. Em entrevista ao GLOBO, ele afirmou que esse fenômeno quebra a paridade de armas e afeta o processo democrático.

A PF vem atuando em parceria com a Justiça Eleitoral para barrar candidaturas financiadas por facções criminosas e milícias. Segundo ele, isso já é uma realidade de “eleições pretéritas” que atinge todo o país. Os investigadores vão se debruçar sobre o financiamento de criminosos a candidatos.

O delegado também disse que um dos novos desafios da PF será combater a disseminação e a produção de fake news com uso de inteligência artificial (IA). Em fevereiro, a PF deflagrou uma operação no Amazonas que identificou empresas de marketing por trás da produção de um áudio falso atribuído ao prefeito de Manaus.

A Polícia Federal mantém ao todo 1.586 inquéritos por crimes eleitorais instaurados entre agosto de 2023 e o mesmo mês de 2024. A maioria se refere à omissão ou falsidade na declaração de informações ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como o caixa dois; desvio de recursos do fundo eleitoral; e oferecer dinheiro ou bem em troca votos.

Confira a entrevista.


Quais serão os principais desafios da PF nesta eleição?

Os desafios que nós temos atualmente são basicamente três: 1) A questão das facções criminosas patrocinando candidaturas. Nós temos agido junto aos demais atores para enfrentar essa questão. 2) A desinformação com o uso de inteligência artificial. 3) A violência de gênero e religiosa também nos preocupa.

Dentro disso, temos questão da misoginia, intolerância religiosa etc. Temos candidatas que, por sua identidade política e ideologia, são ameaçadas de estupro coletivo. É muito comum esse tipo de ação. Não queremos que as pessoas sejam alijadas do processo com medo de serem agredidas.

O que vocês descobriram sobre o financiamento de candidaturas pelo crime organizado?

Nós só podemos considerar as candidaturas a partir de agora. O que tivemos até agora foram casos de violência envolvendo pré-candidatos, um no litoral de São Paulo, com possibilidade de participação do PCC (Primeiro Comando da Capital), e outros no Ceará. Agora que vamos ver o financiamento de candidaturas.

Vocês compartilham essas informações com a Justiça eleitoral?

A forma como trabalhamos prefiro não declarar, mas é lógico que temos ferramentas para fazer a verificação da relação de candidatos. Alguns deles têm relações diretas, são filhos de um faccionado, por exemplo. Ou é de conhecimento que é ligado a alguma facção. O importante é ter a visão da forma do financiamento.

O patrocínio com dinheiro ilícito é lançar alguém do crime organizado para dentro do poder municipal. Se eu tenho o dinheiro de fonte ilícita, eu quebro a higidez dentro do processo eleitoral. Tem aquele que está sendo financiado corretamente com dinheiro público e aquele que está recebendo de fontes ilícitas. E aí se quebra a paridade de armas no processo democrático.

Como evitar essa infiltração do crime organizado no mundo político?

Integração com as outras forças e com a própria Justiça eleitoral. Isso é um tema que está sendo discutido internamente. As medidas são debatidas dentro desse circuito fechado. Isso é uma realidade de eleições pretéritas. Temos casos de candidatos que se elegem e depois você toma conhecimento que ele tinha relação com o crime organizado, com tráfico de drogas, de madeira, de cigarro etc. Há uma necessidade de a cada eleição se debruçar sobre esse tema para quebrar as fragilidades.

Há alguns locais mais vulneráveis a esse tipo de infiltração?

Essa questão é generalizada. Nós sempre lembramos de Rio e São Paulo, porque há lideranças mais famosas. Mas tem em todo o país. Se você vai para a região de fronteira, principalmente, vai encontrar candidatos que são patrocinados pelo crime fronteiriço.


Não é algo vinculado só a grandes corporações criminosas. No Rio, há uma preocupação (especial), porque sabemos que tem milícia e o tráfico de drogas, principalmente na região do entorno da capital, Baixada Fluminense, onde há uma ingerência maior. O nosso papel é identificar e coibir.

O crime organizado tem mais interesse em avançar sobre instâncias municipais do que no âmbito federal?

A eleição municipal tem uma peculiaridade. As Câmaras dos Vereadores, as prefeituras, são mais próximas da população nas necessidades básicas. E você se elege com um número menor de votos. Com 1.000 votos ou até menos que isso em alguns lugares. Eu acredito que essa proximidade facilite a incursão do crime organizado no sentido de cooptar candidatos que agirão depois pelos interesses dos que os patrocinaram.

Como a PF se prepara para combater as deepfakes?

A inteligência Artificial em si não é uma novidade, mas a possibilidade de utilização de deep fakes para propaganda, sim. O que nos interessa é o que for ilícito, o uso da Inteligência Artificial para denegrir a imagem de algum candidato, por exemplo. A Polícia Federal tem assento no Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia, criado (pelo Supremo Tribunal Federal) em março.

Tem vários atores, Anatel, OAB, Ministério Público Federal. etc. O que é criminal fica com a Polícia Federal. Nós já deflagramos uma operação em que um áudio produzido por IA mostra um prefeito fazendo críticas. Já se chegou aos autores. Temos um olhar de que é uma questão relativamente para nós.

Como diferenciar conteúdo falso do verdadeiro?

Não há uma ferramenta mágica que você pegue um vídeo, jogue ali e ela diz se é falso ou não. Não funciona dessa forma. Um grupo criado em abril recebeu um brainstorm para antevermos problemas e acharmos as soluções.

Vimos muitos casos de uso de IA nas eleições na Argentina e nos Estados Unidos…

Percebemos que há uma facilidade maior de ferramentas na mão da população. Antes essas ferramentas eram mais restritas.

Existe uma ferramenta para identificar as deepfakews e o uso de IA?


Isso não existe. Isso demanda um trabalho pericial muito complexo, analisando vários elementos daquele vídeo que permitirão afirmar dentro de uma escala se aquilo é verdadeiro ou falso, ou mais próximo e distante da veracidade. Houve um caso famoso do vídeo do Barack Obama falando.


Por meio de uma ferramenta, foi detectado em microssegundos que não seria possível a boca fazer aquele movimento num espaço tão curto de tempo. O nosso parquet está sempre se modernizando. Nós temos roteiros próprios para a desinformação, que são sempre atualizados.


Fonte: O GLOBO