Vilhena, Rondônia - Centenas de libaneses estavam na praia no último fim de semana perto de Tiro, no sul do Líbano, quando caças israelenses sobrevoaram quebrando a barreira do som. As imagens viralizaram nas redes sociais. Essas pessoas pagam até US$ 60 para tomar um banho de mar nas praias privadas libanesas, que são célebres por suas águas cristalinas.
Nas imagens, não dá para dizer se aqueles veranistas estão na Sicília, em Corfu ou nessa cidade libanesa fundada pelos fenícios e até hoje com seu hipódromo romano. Ao mesmo tempo que alguns aproveitam o verão no Mediterrâneo, um conflito armado ocorre a poucos quilômetros dali entre o Hezbollah e Israel. Dezenas de milhares de libaneses e israelenses precisaram deixar suas casas dos dois lados da fronteira desde a eclosão dos embates.
Israelenses também foram à praia em Tel Aviv no fim de semana, com as pipas de kitesurf colorindo o céu. No mesmo dia, outros resgatavam quatro reféns das mãos do Hamas em ação que resultou na morte de dezenas de palestinos, incluindo muitas crianças, em Gaza.
Aliás, mesmo diante da fome, das ruínas e dos bombardeios na atual guerra, há imagens de palestinos tentando fugir do calor indo à praia neste quase verão do Hemisfério Norte. Uma das coisas que mais me marcaram quando estive em Gaza foi a calma das areias brancas com o azul mediterrâneo do mar em meio a tanta tragédia.
Nas guerras, as pessoas tentam encontrar uma normalidade para sobreviver, para que a vida faça sentido. O campeonato de futebol sírio não foi interrompido ao longo de toda a guerra civil, e habitantes de Tartus e Latakia jogavam vôlei de praia no auge da ocupação do Estado Islâmico em outras partes do país. Nos 15 anos de conflito armado em Beirute entre 1975 e 1990, libaneses frequentavam os cinemas, as universidades e as praias.
Alguns leitores podem até achar surreal, mas talvez tenham ido caminhar em Ipanema ou na Lagoa Rodrigo de Freitas enquanto ocorria um tiroteio na Maré nesta terça no Rio de Janeiro. As pessoas simplesmente buscam abstrair e tentar seguir com a vida mesmo nesses cenários de violência.
Tenham certeza de que, assim como cariocas sabem bem dos riscos do dia a dia, libaneses, palestinos, israelenses e sírios convivem com o medo na maior parte do tempo. Óbvio que os habitantes do Levante prefeririam estar em paz como os que vivem no lado europeu do Mediterrâneo.
Berço de algumas das maiores civilizações da história, o Mediterrâneo Oriental, tão disputado por persas, gregos, romanos, cruzados e otomanos, por séculos teve convivência de cristãos, muçulmanos e judeus, enquanto europeus se matavam. Nas últimas décadas, infelizmente, o Levante se transformou no lugar do planeta mais associado a ódio e guerras. Uma tragédia gigantesca. As armas, o terrorismo, os bombardeios são a imagem do Líbano, de Israel, da Palestina e da Síria.
Poderia ser diferente. Poderia ser o lugar onde mesquitas, igrejas e sinagogas dividem quarteirões em paz, como ocorreu no passado em Damasco, Aleppo, Beirute, Haifa e Jerusalém. Poderia ser o lugar associado a uma das melhores culinárias do mundo, tendo como símbolo o hummus.
E poderia ser também um dos maiores destinos de praia do planeta com lugares como Batroun, Biblos, Tiro, Acre, Haifa e Gaza, onde o Mediterrâneo é tão deslumbrante como o da Sardenha, da Córsega, de Mikonos e de Maiorca. Esperamos que um dia libaneses e palestinos possam ir à praia sem medo de bombardeios, e israelenses, sem medo do terrorismo.
Fonte: O GLOBO
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