Até hoje estamos vivendo de doações

Vilhena, Rondônia - Foi uma catástrofe, soubemos das primeiras notícias pelo Instagram. Eu sempre me apavoro com chuva, vento, imagina estourar uma barragem. No início, meu marido não acreditou, e disse que a água não chegaria até nossa casa, mas no fim da tarde do dia 4 começou um movimento muito grande nas ruas. Muita gente saindo de casa, pessoas comprando coisas no mercado desesperadas. Aí percebi que alguma coisa estava acontecendo.

Quando a noite caiu, peguei meus filhos e meus dois netos - eu morava em casa com dois dos meus seis filhos, mais meu esposo e os dois netos - e fomos para casa de uma vizinha, de dois andares. Ninguém dormia e a casa estava chegando a Fátima, nosso bairro, em Canoas. Vi muita gente deixando suas casas e, então caiu a fica que não havia sacada no segundo andar, e seria difícil o resgate chegar.

Nesse meio tempo, a água começou a subir demais, víamos ratos e cobras. Busquei minha mãe, que mora na minha frente, e tivemos a ideia de pegar a caixa d'água de casa, que serviu como bote. Já tinha pelo menos umas 40 pessoas na casa da minha vizinha e fomos colocando as pessoas dentro da caixa e levando até uma avenida no alto do bairro, onde a água não tinha chegado. Fizemos diversas viagens e carregamos cachorros também. Outras pessoas repetiram a ideia da caixa d'água, e lá em cima tentavam achar transporte ou ligar para alguém.

Eu fui para casa da minha cunhada. Levei minha mãe e outro filho, que tem uma barbearia, mas perdeu tudo. Éramos umas 20 pessoas na casa, todo mundo embolado. Aí veio o socorro da minha igreja, que doou colchões. Depois, procuramos opções já que a casa da minha cunhada estava cheia. Perguntando pelas ruas, alugamos um apartamento depois de quase três semanas. Muita gente cobrou o triplo do valor em casinhas e quitinetes, um horror. Consegui alugar em um lugar perto, onde não era zona de risco. O aluguel com condomínio dá R$ 2 mil, e não sei como vou pagar, estou nas mãos de Deus.

Consegui entrar de volta na minha casa há apenas cinco dias. Limpei dois banheiros, salvamos o fogão e a máquina de lavar, mas o resto ainda não sabemos como a gente vai recuperar. A estrutura da casa acabou, porque ficou muito tempo embaixo d'água. Muitas janelas e portas caíram. O carro estava dentro e também deu pane elétrica. Meu marido, que é eletricista, perdeu todo o material de trabalho. Até agora não conseguimos trabalhar.

O novo aluguel vai vencer. O governo diz que vai ajudar, mas ainda não sei como vou pagar. Alimento a gente consegue na igreja. Até hoje estamos vivendo de doações. Cada dia tentando buscar forças em Deus para continuar, permanecer. Não é fácil, mas não perdemos ninguém. Móvel eu sei que a gente recupera de alguma forma, mas hoje tenho certeza absoluta que o bem maior e mais precioso é a família.


Fonte: O GLOBO